Adilson Rosa de Azevedo é um senhor tranquilo. A voz mansa e
o sorriso frouxo denunciam a personalidade de quem gosta do silêncio para
meditar e ficar ao ar livre ouvindo o canto dos pássaros. Aos 62 anos de idade
parece muito bem consigo mesmo, ao responder com uma firmeza recheada de doçura
às perguntas feitas numa tarde fresca de domingo, na mesa do almoço.
Adilson nasceu em 1954, no município de São Gonçalo, Rio de
Janeiro. Quem é bom de matemática sabe que os nascidos em 1954 ainda não podem
ser sexagenários, mas ele explica: “Quando fui me casar, eu ainda era menor de
idade. Lá no cartório eles aumentaram a minha idade e eu não percebi, só fui
perceber muitos anos depois". A empolgação de estar se casando era tamanha
que nem sequer olhou para a certidão, tudo o que queria era ficar olhando o
rosto da noiva, garante ele.
Se no papel é mais velho, na alma ele é mais jovem, e isso é
fácil de perceber passando dez minutos ao seu lado. Engraçado, está sempre
contando uma piada ou fazendo um trocadilho com o que está sendo dito. “Não
gosto de ver ninguém triste”, afirma com um sorriso no rosto. Tanta alegria
nunca fora abalada pelas dificuldades que enfrentou na vida. Criado sem pai,
Adilson teve uma infância dura, que não tem preocupação em esconder. “Tive que
ralar muito para ajudar a minha mãe. Quando meu pai morreu eu tinha 1 ano de
idade. E aos 10 anos comecei a trabalhar em casa de família, cuidando de gato e
cachorro”.
Aos 18 anos começou a trabalhar como bombeiro hidráulico, e
foi com essa profissão que conseguiu criar os filhos e hoje ajuda a criar os
netos. Mesmo aposentado optou por continuar trabalhando porque “com o dinheiro
da aposentadoria não dá para viver”. Mora em uma casa grande e confortável com a
mulher, dona Ana Lúcia, a filha Adriana, divorciada, e mais 3 netos. Agora, com
o filho mais velho, Magno, morando na parte de cima da casa com a mulher e o
filho mais novo, Adilson vive cercado por 4 dos seus 6 netos. Soa um pouco
caótico, mas ele diz que gosta. "É a coisa mais linda do mundo. A gente
sente a presença de vida, a alegria, tudo no mesmo lugar”. Difícil de
acreditar? Seu bom-humor parece levar tudo numa boa. “Eu adoro. Mesmo quando
eles começam a brigar entre si, é saudável”.
Toda família começa com uma história de amor, e para essa
regra a família numerosa de Adilson não é exceção. Sentada ao seu lado enquanto
conversamos, a esposa Ana abaixa a cabeça, nostalgica ou timidamente, ouvindo o
seu amado contar como eles se conheceram, há muitos anos atrás. “Nos conhecemos
no dia do aniversário dela, quando ela estava fazendo 15 anos de idade. Eu
estava indo para o cinema. Passei pelo portão dela e assim, do nada, ela
segurou na minha mão. Aí começamos a conversar, ela me deu um copo de
refrigerante, dois pasteis, comi, batemos um papo, e quando eu fui perceber a
gente estava se beijando”.
Perder o filme para ganhar uma
namorada parece uma boa troca, brinco, mas ele logo corrige: “Não, mas eu fui
para o cinema assim mesmo. Peguei a sessão das 10 da noite, eu e um amigo que
já é falecido, o Martins". Assistiu ao filme e ganhou uma namorada, melhor ainda. Voltando a falar da sua
história de amor, completa: “Ela dizia que já gostava de mim mas eu nunca
gostei dela. Fui gostar depois, com o tempo". O tempo exato foi um ano,
depois do qual eles logo se casaram e aguardaram a chegada do primeiro filho. O
jovem Adilson de 18 anos comemorou a alegria de ser pai de um filho varão. “Foi
o maior porre que já tomei na minha vida!”, diz ele.
Além de ter um filho homem, outro
sonho da juventude de Adilson era ter um carro sport amarelo. Como sei que na
garagem da casa não repousa um carro sport, muito menos amarelo, pergunto se
ainda existe esse desejo. “Amarelo não porque é um pouquinho forte para a minha
idade. Agora quanto mais discreto melhor. Com um carro sport amarelo, ou de
outra cor extravagante, vão dizer que o velho é boiola!", e a cozinha é
invadida pela gargalhada gostosa de quem já viveu muito e quer viver ainda mais.
Pouco mais de quarenta anos
depois, com 2 filhas acrescentadas à prole, e avô de 6 netos, ele diz não
precisar de mais nada. Porém, como se sentir realizado não exclui (e nem deve)
a vontade de sonhar, ele carrega um sonho especial em seu peito. “Um dia quero poder
passear com a minha velha. Não ter mais aquela preocupação de ter que voltar em
casa para fazer comida, consertar alguma coisa que quebrou. Poder sair, passar
um fim de semana longe, eu e ela. Viajar, ir para algum lugar bonito, tipo Foz
do Iguaçu, ficar olhando para as cataratas, ouvir os cantos dos pássaros. Gosto
de silêncio para fazer meditação, ler um pouco. Cinema nem tanto, porque os
filmes que passam hoje...”.
Se hoje em dia ele demonstra pouco
interesse, na juventude era cinema o seu hobby favorito. “Eu ia muito, adorava.
Ás vezes saía de Niterói para ir ao cinema no Rio, eu sozinho. Era só dizer que
tava passando um filme bom que eu ia. Até hoje passa esse filme na TV, ‘Peter
Pan’. Eu tinha 13 anos quando vi esse filme. Fui ver ali perto da Praça da
República, tinha um cinema ali, esqueci o nome dele. Tem muitos anos, acabou já”.
Assim como Peter Pan na Terra do
Nunca, sou invadida pela doce convicção de que Adilson, apesar dos muitos
quilômetros rodados, rugas no rosto e memória começando a falhar, carrega
dentro de si uma criança que não quer (e, de novo, nem deve) crescer. Viva à
juventude! Viva ao vovô!
A reportagem ficou 10! Muito bem feita e tocante...
ResponderExcluirJúlio, você é um amor! Muito obrigada pelo elogio. Fico feliz porque estamos aprendendo no mesmo barco :)
ExcluirBeijinhos
Você é perfeita! Escreve como profissional. Que orgulho! E Adilson muito me surpreendeu... 10. Que família!!!
ResponderExcluirNaiara, to acompanhando seu blog e seus textos são lindos, lindos. Gosto dessa variedade na escrita, sem grades e formas pré-definidas, cada texto com seu jeitinho especial. Parabéns, flor!
ResponderExcluirLaura, que surpresa boa! Às vezes eu me leio e acho tudo tão bobo... mas prossigo, escrevendo e postando, porque é só isso o que eu tenho. Vou me envergonhando, me perdoando, me orgulhando... é assim mesmo que a gente amadurece e cresce. Que bom que gosta, fico muito feliz. Obrigada! Beijo grande
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