domingo, 28 de abril de 2013

Meu vovô Peter Pan


Adilson Rosa de Azevedo é um senhor tranquilo. A voz mansa e o sorriso frouxo denunciam a personalidade de quem gosta do silêncio para meditar e ficar ao ar livre ouvindo o canto dos pássaros. Aos 62 anos de idade parece muito bem consigo mesmo, ao responder com uma firmeza recheada de doçura às perguntas feitas numa tarde fresca de domingo, na mesa do almoço.

Adilson nasceu em 1954, no município de São Gonçalo, Rio de Janeiro. Quem é bom de matemática sabe que os nascidos em 1954 ainda não podem ser sexagenários, mas ele explica: “Quando fui me casar, eu ainda era menor de idade. Lá no cartório eles aumentaram a minha idade e eu não percebi, só fui perceber muitos anos depois". A empolgação de estar se casando era tamanha que nem sequer olhou para a certidão, tudo o que queria era ficar olhando o rosto da noiva, garante ele.

Se no papel é mais velho, na alma ele é mais jovem, e isso é fácil de perceber passando dez minutos ao seu lado. Engraçado, está sempre contando uma piada ou fazendo um trocadilho com o que está sendo dito. “Não gosto de ver ninguém triste”, afirma com um sorriso no rosto. Tanta alegria nunca fora abalada pelas dificuldades que enfrentou na vida. Criado sem pai, Adilson teve uma infância dura, que não tem preocupação em esconder. “Tive que ralar muito para ajudar a minha mãe. Quando meu pai morreu eu tinha 1 ano de idade. E aos 10 anos comecei a trabalhar em casa de família, cuidando de gato e cachorro”.

Aos 18 anos começou a trabalhar como bombeiro hidráulico, e foi com essa profissão que conseguiu criar os filhos e hoje ajuda a criar os netos. Mesmo aposentado optou por continuar trabalhando porque “com o dinheiro da aposentadoria não dá para viver”. Mora em uma casa grande e confortável com a mulher, dona Ana Lúcia, a filha Adriana, divorciada, e mais 3 netos. Agora, com o filho mais velho, Magno, morando na parte de cima da casa com a mulher e o filho mais novo, Adilson vive cercado por 4 dos seus 6 netos. Soa um pouco caótico, mas ele diz que gosta. "É a coisa mais linda do mundo. A gente sente a presença de vida, a alegria, tudo no mesmo lugar”. Difícil de acreditar? Seu bom-humor parece levar tudo numa boa. “Eu adoro. Mesmo quando eles começam a brigar entre si, é saudável”.

Toda família começa com uma história de amor, e para essa regra a família numerosa de Adilson não é exceção. Sentada ao seu lado enquanto conversamos, a esposa Ana abaixa a cabeça, nostalgica ou timidamente, ouvindo o seu amado contar como eles se conheceram, há muitos anos atrás. “Nos conhecemos no dia do aniversário dela, quando ela estava fazendo 15 anos de idade. Eu estava indo para o cinema. Passei pelo portão dela e assim, do nada, ela segurou na minha mão. Aí começamos a conversar, ela me deu um copo de refrigerante, dois pasteis, comi, batemos um papo, e quando eu fui perceber a gente estava se beijando”.
Perder o filme para ganhar uma namorada parece uma boa troca, brinco, mas ele logo corrige: “Não, mas eu fui para o cinema assim mesmo. Peguei a sessão das 10 da noite, eu e um amigo que já é falecido, o Martins". Assistiu ao filme e ganhou uma namorada, melhor ainda. Voltando a falar da sua história de amor, completa: “Ela dizia que já gostava de mim mas eu nunca gostei dela. Fui gostar depois, com o tempo". O tempo exato foi um ano, depois do qual eles logo se casaram e aguardaram a chegada do primeiro filho. O jovem Adilson de 18 anos comemorou a alegria de ser pai de um filho varão. “Foi o maior porre que já tomei na minha vida!”, diz ele.

Além de ter um filho homem, outro sonho da juventude de Adilson era ter um carro sport amarelo. Como sei que na garagem da casa não repousa um carro sport, muito menos amarelo, pergunto se ainda existe esse desejo. “Amarelo não porque é um pouquinho forte para a minha idade. Agora quanto mais discreto melhor. Com um carro sport amarelo, ou de outra cor extravagante, vão dizer que o velho é boiola!", e a cozinha é invadida pela gargalhada gostosa de quem já viveu muito e quer viver ainda mais.

Pouco mais de quarenta anos depois, com 2 filhas acrescentadas à prole, e avô de 6 netos, ele diz não precisar de mais nada. Porém, como se sentir realizado não exclui (e nem deve) a vontade de sonhar, ele carrega um sonho especial em seu peito. “Um dia quero poder passear com a minha velha. Não ter mais aquela preocupação de ter que voltar em casa para fazer comida, consertar alguma coisa que quebrou. Poder sair, passar um fim de semana longe, eu e ela. Viajar, ir para algum lugar bonito, tipo Foz do Iguaçu, ficar olhando para as cataratas, ouvir os cantos dos pássaros. Gosto de silêncio para fazer meditação, ler um pouco. Cinema nem tanto, porque os filmes que passam hoje...”.

Se hoje em dia ele demonstra pouco interesse, na juventude era cinema o seu hobby favorito. “Eu ia muito, adorava. Ás vezes saía de Niterói para ir ao cinema no Rio, eu sozinho. Era só dizer que tava passando um filme bom que eu ia. Até hoje passa esse filme na TV, ‘Peter Pan’. Eu tinha 13 anos quando vi esse filme. Fui ver ali perto da Praça da República, tinha um cinema ali, esqueci o nome dele. Tem muitos anos, acabou já”.

Assim como Peter Pan na Terra do Nunca, sou invadida pela doce convicção de que Adilson, apesar dos muitos quilômetros rodados, rugas no rosto e memória começando a falhar, carrega dentro de si uma criança que não quer (e, de novo, nem deve) crescer. Viva à juventude! Viva ao vovô!

(entrevista feita para a aula de Técnica de Reportagem Jornalística 1, da Escola de Comunicação da UFRJ)


5 comentários:

  1. A reportagem ficou 10! Muito bem feita e tocante...

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    1. Júlio, você é um amor! Muito obrigada pelo elogio. Fico feliz porque estamos aprendendo no mesmo barco :)
      Beijinhos

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  2. Você é perfeita! Escreve como profissional. Que orgulho! E Adilson muito me surpreendeu... 10. Que família!!!

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  3. Naiara, to acompanhando seu blog e seus textos são lindos, lindos. Gosto dessa variedade na escrita, sem grades e formas pré-definidas, cada texto com seu jeitinho especial. Parabéns, flor!

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    1. Laura, que surpresa boa! Às vezes eu me leio e acho tudo tão bobo... mas prossigo, escrevendo e postando, porque é só isso o que eu tenho. Vou me envergonhando, me perdoando, me orgulhando... é assim mesmo que a gente amadurece e cresce. Que bom que gosta, fico muito feliz. Obrigada! Beijo grande

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