domingo, 10 de março de 2013

Young, wild and free

Não me sinto mais tão jovem, tampouco selvagem.
E já não sou mais tão livre, como um dia achei que fosse.
Ah, quão bela era a vista quando eu era cega!

Sessenta e nove dias atrás, um novo ano aterrissou e trouxe consigo uma rebeldia jovial conhecida até então só de ouvir falar. Inofensiva, não abalou a mais ninguém além de mim mesma. E nem precisa. O presente foi dado a mim, e assim ele cumpriu o seu papel.

Como um andarilho no deserto cujos lábios rachados imploram por água, a sede pela liberdade atingiu minha gargante e implorou, gritando, para ser saciada. 
Com uma tesoura à mão, cartão de crédito é cortado. Por que aliar-se à bancos que visam lucrar com o endividamento alheio?
Com a ferramenta necessária, Facebook é desativado. Por que manter um perfil que serve como banco de dados para empresas que só querem me coagir a comprar seus produtos?
Com a promessa dita, televisão não fora mais ligada nesse quarto melancólico. Por que ouvir as principais notícias do dia que entardecem minhas manhãs? Principais notícias para quem? Baseadas em quê? Minhas prioridades mudaram, e as redes de TV não me acompanharam nisso.

Dei as costas para o mundo, construí um barco e me pus a navegar sozinha em mar desconhecido. 

Um mês.
Dois meses..
Três meses...

O movimento das ondas que batiam contra a humilde proa começou a produzir um crescente enjoo no meu estômago. Essa viagem deveria ter um fim, trágico para mim ou para você(s). 
Cansada da vida medíocre em terra firme, me recusei a voltar. Exausta com a viagem por águas solitárias, ansiava pelo seu término.

Tal aventura deveria durar pelo menos doze, mas três meses me bastaram para ajustar um Norte na bússola esquecida no bolso, até então vazia de si mesma, que sorriu por finalmente poder cumprir o seu propósito.

Meu Norte, então, fora traçado no meio termo dos dois extremos da loucura. 
Não se pode viver bem com a cegueira da ingenuidade. Triste será, quando a morte chegar, descobrir que nunca viveu, apenas existiu. 
Não se pode viver bem com a solidão pretensiosa, tão cheia de si que afirma não precisar de outro alguém que lhe diga o que fazer de vez em quando. 
E não se pode viver, bem ou mal, sem um Norte estabelecido na sua bússola.

Trace as suas prioridades. Faça o que é importante para você, mas atente também ao que é importante para o mundo à sua volta. Se necessário, use o seu cartão de crédito. Parcele nele uma máquina fotográfica, se ela vier a fazer mais feliz o seu coração. Vez ou outra, consulte o seu perfil do Facebook. Pode haver um amigo antigo, amado mas esquecido em uma prateleira poeirenta, que queira reaparecer na sua vida e construir lembranças novas com você. No quarto ou em qualquer outro lugar, aprenda a passear os olhos pela programação da TV. Julgue sem modéstia o que assistir, guarde o que lhe agrada, jogue fora o que considerar lixo.

Enfrentei a rebeldia juvenil, que chegou de fininho, me chacoalhou, e se foi. Sem ela, sinto-me menos jovem, menos selvagem, menos livre. Porém mais sensata, mais focada, mais real. Pus a bússola na mesa, peguei um cronômetro e disparei. Mais quantos dias até a próxima aventura?

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(Sim, eu parcelei uma câmera fotográfica no cartão de crédito quebrado, comprando pela internet. Também reativei minha conta no Facebook. E alguns dias assisto TV - muito pouco ainda, mas assisto)